A LEPTINA E O IOIÔ

Perder peso acaba por ser uma luta contranatura. Muitos de nós descendemos de populações que passaram por períodos de seca, fome e guerra. Nessas alturas, era preciso ingerir o máximo possível de alimentos, quando estavam disponíveis, e tinham mais hipóteses de se safar as pessoas que conseguiam acumular gordura para suportar os tempos de escassez.
«Populações que foram historicamente subnutridas tornam-se, com frequência, nas mais obesas ao verem-se rodeadas de uma quantidade ilimitada de calorias», escreve Jeffrey Friedman, cientista da  Universidade de Rockefeller, em Nova Iorque, num artigo da revista Nature.

«Apesar de muitos pensarem que a ingestão de comida é um comportamento essencialmente voluntário e consciente, a evidência sugere que o equilíbrio energético entre o que comemos e o que gastamos é largamente controlado por um sistema biológico poderoso e inconsciente», continua Friedman, um dos mais reputados, e também controversos, estudiosos da área, feroz combatente da estigmatização a que estão sujeitas as pessoas com excesso de peso.

Em cada um de nós existe uma espécie de memória do nosso peso e, de cada vez que há uma oscilação em torno do mesmo, depois de um período de contenção alimentar e aumento de exercício físico, por exemplo, o sistema esforça-se por repô-lo. «Há um forte impulso inconsciente para comer mais até que o individuo regressa ao ponto de partida.» Resultado: 90% das pessoas que perdem quilos através de dietas voltam a recuperá-los quando baixam a guarda.

Uma das culpadas pelo efeito ioiô é a hormona leptina. Produzida no tecido adiposo, esta hormona diz ao cérebro quanta gordura temos no corpo, permitindo que os níveis de tecido adiposo se mantenham constantes. Qualquer pessoa que já tenha feito uma dieta lutou contra o efeito «perverso» da leptina. Quando se perde peso, diminuem as células gordas e, consequentemente, o nível desta hormona, o que acaba por resultar numa maior vontade de comer coisas doces.

«A restrição alimentar torna-nos mais gulosos», esclarece Ana Domingos, 35 anos, cientista portuguesa que trabalha na equipa de Friedman. Tal como o seu mentor, Ana insiste na ideia de que o insucesso na luta contra o peso a mais não está relacionado com uma fraca força de vontade. Pode haver razões biológicas e esta é uma delas. «Ainda há muita dificuldade em encarar os obesos como pacientes», lamenta a investigadora. A predileção pelo açúcar poderá também ser «culpa» da evolução. «O cérebro alimenta-se exclusivamente de glucose. Evoluímos para a detetar», nota a investigadora.
ENSAIOS CLÍNICOS EM PORTUGAL
Friedman foi o primeiro a perceber o papel da leptina no controlo do peso. Pessoas que nascem sem a capacidade de produzir esta hormona têm um apetite insaciável e são obesas desde os primeiros anos de vida. Nestes casos, raros, a substituição hormonal apresenta resultados «milagrosos». Os pacientes levam injeções da substância em falta e passam a conseguir moderar o apetite, atingindo o peso normal.
Esta descoberta parecia a panaceia, a solução para o maior problema de saúde dos países desenvolvidos. Mas rapidamente os cientistas perceberam que nos obesos «comuns» até há excesso de leptina, só que o organismo tornou-se resistente aos seus efeitos [um processo biológico semelhante ao que acontece na diabetes, em que a insulina circula no sangue, mas deixa de atuar].

No entanto, quando ocorre diminuição dos níveis de leptina, durante uma mudança de regime alimentar ou após uma cirurgia bariátrica, a substituição hormonal faz sentido e poderá resultar.
«Nesta fase, as pessoas sofrem muito, e se lhes dermos leptina, torna-se mais fácil suportar a dieta», defende Ana Domingos, que desenvolveu os seus estudos em ratinhos. «Os doentes passam por uma imensidão de desafios, tanto no período pós-operatório como para o resto da sua vida, caso queiram mesmo deixar de ser obesos», reforça Leonor Manaças, médica do Hospital de São José, onde trata casos sérios de obesidade.
A equipa da universidade nova-iorquina está preparada para começar a testar a terapêutica de substituição em pessoas, e já recebeu luz verde da FDA (organismo americano responsável pelo medicamento). Mas, até agora, «nenhum médico foi capaz de referenciar doentes para o ensaio clínico», lamenta Ana Domingos, que está a considerar regressar a Portugal e não descarta a hipótese de fazer os ensaios por cá.

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CEM CALORIAS A MENOS
Não há uma solução única para os problemas dos quilos a mais. Mesmo sabendo que, na obesidade, a influência dos genes oscila entre os 70% e os 8o%, a nível comportamental continua a haver alguma margem de manobra. Num estudo muito conhecido, conduzido pelo endocrinologista americano James Hill, dezenas de famílias com tendência para o aumento de peso tiveram de reduzir 1oo calorias (Kcal) na alimentação diária habitual (substituindo os cereais do pequeno-almoço por outros com menos açúcar ou usando adoçante, por exemplo) e dar mais 2 mil passos por dia (cerca de i minutos de caminhada). Ao fim de seis meses, as crianças mostraram uma significativa diminuição do Índice de Massa Corporal (IMC) ajustado à idade, e os adultos uma ligeira diminuição no peso.

O médico do Centro de Nutrição Humana da Universidade do Cobrado explica que esta estratégia  funciona melhor na prevenção do aumento de peso do que propriamente no tratamento da obesidade. «É uma boa forma de começar. Vimos que as pessoas iniciam, assim, as alterações no estilo de vida e depois continuam a fazer mudanças.» James Hill deixa o conselho: «Arranje um pedómetro, veja quantos passos dá e acrescente 2 mil por dia. Depois, continue a aumentar gradualmente. E faça uma pequena modificação na sua dieta — substituindo uma bebida açucarada pela sua versão light ou preferindo manteiga com menos gordura.» Mudanças simples que podem fazer toda a diferença.

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